Ora, direis, ouvir urubus...

20/01/2011 12:45

 O carnaval, em anos passados, corria farto em Abaetetuba, ficando na lembrança de quem gosta do que é bom, quando ainda se enaltecia uma boa parte da cultura musical e artística da nossa gente. Os Blocos e Escolas de Sambas, com seus variados temas e enredos, sofriam na pele os efeitos sensoriais das emoções que sentiriam na avenida. As divergências e os atritos normais entre as agremiações concorrentes faziam aumentar a cada dia o interesse do público para com a aproximação do dia do encontro inevitável. Lá na frente da cidade as águas do Rio Maratauíra, ora calmas e sombrias, ora encrespadas, agitadas pelos ventos que sopravam em várias direções, seguiam seu curso normal obedecendo ao horário estipulado para o seu encher e o seu vazar. Nas ruas de Abaetetuba o povo protestava contra o aumento no valor das passagens dos coletivos intermunicipais. Em frente aos vários hospitais e Postos de Saúde o desespero tomava conta das pessoas que não conseguiam socorro para um ente querido agonizante. Nas praças, trombadinhas e pivetes faziam sua festa particular, roubando o que lhes era possível levar de um transeunte distraído que logo procura a polícia para registrar queixa, mesmo sabendo que pouca esperança terá de ter de volta o bem roubado. O relógio secular da igreja matriz marca, mesmo errada, a hora do tempo que não pára. Na Praça da Bandeira os brinquedos vazios do parque lembram a criança que não veio. No “Calçadão”, na frente da cidade, antigos conterrâneos de Abaeté se encontram, com parceiros e sumanos, a esperar os barcos que não mais aportam ali. Ao lado, bem ao lado, o urubu. Essa imponente ave negra e elegante parece alheia a tudo isso, mas, talvez, não alheia aos olhares de quem passa e que a desnuda da cabeça aos pés. Estes, pousados sobre um para-peitos de madeira bruta, assim como bruto e inevitável é o crescente perigo da proliferação dessas aves de rapina devido ao lixo acumulado. Ouve tudo e nada nos fala, até porque, mesmo que quisesse, sabe que ninguém daria ouvidos aos seus apelos ou conselhos, pois, hoje se perdeu o senso até para se ouvir estrelas, imagine-se ouvir urubus.

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